Dona Rosa, a artista guardiã da Mantiqueira
Siga a placa afixada à margem da rodovia a 6 km de Gonçalves: bairro dos Remédios. Vá subindo a serra e contemplando a imensidão da Mantiqueira. Passa a igrejinha Nossa Senhora dos Remédios e logo ali numa curva do caminho, você dá de cara com o universo de dona Rosa Ribeiro, a artista plástica autodidata, a compositora, a poetisa, a doceira, a mãezona, a guardiã daquele espaço encantado.Corpo miúdo, fala solta, riso fácil – ela fala sorrindo – espirituosa, engraçada. Tantos predicados que se torna difícil enumerá-los. Que felicidade estar ali com aquela personagem tão intensa que outro dia foi um dos temas do Globo Repórter em um programa sobre a Mantiqueira.Ao lado do sobrado rosa que construiu com dinheiro de sua arte e a força física do marido, que era pedreiro, ela montou seu ateliê. Lá entre doces feitos por ela, pinceis e tintas – terras coloridas in natura – ela vai dando vida à sua inspiração. Haja criatividade!
Ao todo são mais de três mil quadros espalhados por este Brasil afora e até fora dele. Mas antes que a pergunta se faça, ela parece que lê o pensamento e vai logo dizendo: “Nunca repeti nenhum. Pode enfileirar todos aqui – se conseguir – e ver que não tem nada igual”. Minuciosa, atenta aos pormenores da obra, ela comenta sobre seu fazer artístico, quando alguma coisa não está do seu gosto: “A própria pintura ensina. Muitas vezes, quando me deito, eu fico observando só de memória o que está errado. No outro dia, conserto”.
Arteira desde criança, ela pintava com carvão as cercas de tábuas, o paiol e até as paredes branquinhas da casa rebocadas com argila para desgosto da irmã mais velha, que, no dia seguinte, tinha que limpar as traquinagens da pequena.
Já casada e residindo em Paraisópolis, ela descobriu uma nova técnica: a argila e suas infinitas possibilidades de cores e tons – antes ela usava tintas. Muitas lembranças. “O primeiro pincel foi feito com meu próprio cabelo. Queria fazer mais com os cabelos das crianças, mas elas não deixavam”, conta às gargalhadas.
Viúva, mãe de dez filhos de sangue e uma do coração, ela reside há seis anos no alto da serra com duas filhas. E leva a vida a sorrir, a pintar, a cantar, a zelar dos bichos, das plantas e das gentes de sua convivência e das gentes estranhas que por lá aportam ávidas para compartilhar com ela momentos mágicos – como eu.
Matéria publicada em 2016:
CALDAS
Pajé Thyõxyaepuê Epualyàaylye Tye: “Viver bem e em paz!”
“Se é doença que Deus consentiu, é hospital. Se é doença de espírito, leva para o mato para ser cuidado. Fica lá até melhorar. O remédio não posso revelar. Aprendi com a natureza”, conta a pajé da tribo Xukuru Kariri, de Caldas, Thyõxyaepuê Epualyàaylye Tye, de nome cristão Josefa Ferreira da Silva, 60 anos, doze filhos, vinte e oito netos.
Há 17 anos, ela e a família – o marido, então cacique da tribo, e mais trinta integrantes da aldeia – bateram em retirada de Palmeiras dos Índios, em Alagoas e puseram a campear uma terra para fazerem a nova morada. Com o apoio da Funai, visitaram várias delas e optaram pelas terras devolutas da União, na região de Caldas, sul de Minas.No início eram apenas cinco casas de alvenaria e hoje, dezenas delas. Afinal, a família cresceu. São cento e cinquenta moradores entre adultos e crianças – muitas e lindas, risonhas e brincalhonas, que dividem o tempo entre a escola instalada no centro da aldeia e as brincadeiras pueris em meio à natureza.
Enquanto caminhamos pela aldeia, ela vai contando a história do seu povo. Fico sabendo que a cidadela do povo Xukuru Kariri não se restringe somente a que é visível aos nossos olhos “Tem moradias no meio da mata com casinhas de madeira e sapé construídas para os nossos rituais e para curar doença do espírito. No final do ano, toda a tribo se muda para lá, fica o mês todo. Pedimos a Deus sobrevivência melhor, saúde, não só para nós, mas para todos filhos de Deus. Quando índio fica doente do espírito, também fica lá até melhorar. Eu fico cuidando. Eu vou lá todos os dias”, relata, enquanto crianças vindo de todas as direções pedem a sua benção de vó, de bisavó.
Vale salientar que os rituais são praticados somente pelos índios de nascimento. Muitos brancos e brancas da redondeza casaram com gente daqui e comungam da vida tribal, com exceção apenas destes rituais. A miscigenação é visível aos olhos dos visitantes: crianças com olhos claros, pele pálida.
Sobre a sobrevivência da tribo, diz, ela: “A vida é assim: uns trabalham fora, outros, plantam – a Funai dá semente, mas não tem trator, aí fica difícil, por isto planta pouco. Tem as mulheres que trabalham aqui: professoras da escola, trabalham no postinho e a sobrevivência maior vem do artesanato que nós fazemos aqui”.
Uma pajé, mulher? “Dependendo de quem Deus marca, se é para homem, é homem, se é para mulher, mulher. Já faz uns trinta anos que sou pajé. Espero Deus que a natureza me conforte e me dê um olhar luminoso para enxergar as coisas para poder ajudar”, comenta, com naturalidade.
O mais importante na vida é? “O mais importante na vida é ver meus índios com saúde, com a barriguinha cheia e lidar bem com as pessoas. Viver bem e em paz! Quero não só para meu povo, mas também para todos: animados, com saúde, ter o que o comer, ter liberdade, ninguém discriminar ninguém. É o que quero.”
Visitei a aldeia em companhia da Secretária de Educação de Silvianópolis, Maria José Franco, e de sua assessora educacional Elaine Cristina Carvalho. Elas foram com uma missão especial: convidá-los para uma apresentação na cidade, que foi realizada em 18 de abril de 2017 com a participação de sessenta índios.
Matéria publicada na coluna Gente da Mantiqueira – Guia da Mantiqueira (www.guiadamantiqueira.com.br)
DELFIM MOREIRA
Senhor Vitor: em conexão com a Mãe Terra
Às vezes, ele deserta da família e embrenha-se nas matas que povoam a Mantiqueira – ora caminha, ora acomoda-se embaixo de uma árvore, quieto, cismando, absorvendo o aroma das plantas, o cheiro da terra. Conta ele, entusiasmado, que recentemente acompanhou um pesquisador em missão científica pela serra de Piquete. Foram dois dias de aprendizado e troca.
A sua relação com a terra vem desde os tempos de criança no bairro Sertão Pequeno, onde nasceu e no bairro Barreirinho, onde passou parte de sua juventude, ambos em Delfim Moreira. Destes tempos, lembra com saudosismo da colheita do marmelo: “Já colhi muito marmelo. Coisa mais bonita que tinha. Catava em um balainho e colocava no cargueiro. A tropa de burro descia serra abaixo para trazer os marmelos para a fábrica do Dito Ferreira (fábrica desativada, pertence à Fundação Roge hoje). Tinha várias fábricas nesta época. Tempo de muita fartura”. Destes tempos áureos do marmelo (décadas de 1930-1970), ele conta que cada tropa tinha um peitoral exclusivo para diferenciá-la das demais.
Apresento-lhe o artesão Vitor Peres Nogueira, por quem me encantei em 2016, quando o conheci por meio do diretor de turismo de Delfim Moreira, Alessandro Oliveira, época em que estávamos visitando os artistas do município com o objetivo de convidá-los para a exposição de artesanato da Festa do Marmelo. Atuo na assessoria de imprensa deste evento, que acontece de 21 a 23 de abril. Você está convidado (a)!
Voltemos ao nosso personagem. Nos seus tempos da juventude, quando tinha uma folguinha do trabalho na roça, ele se munia de canivete, bambus, tocos de madeira e colocava sua imaginação em prática: construía gaiolas e carrinhos de madeira. Era só pelo prazer de fazer e presentear, pois não tinha valor financeiro. Diz, ele: “Não valia nada!”
O tempo passou. Vitor casou-se. Chegaram os filhos – nove ao todo. Comprou um “lotinho” na cidade, construiu sua casa e a família se mudou. Começou a trabalhar como pedreiro e nas horas de folga, lá estava ele a povoar o seu mundo com novos habitantes: girafas, onças, angolinhas, tartarugas, cabritos, onças, pássaros, mais os jacás, mais os cestos… E as gaiolas? Pergunto-lhe. “Gaiola mais não. Passarinho tem que ficar solto na natureza, que é a casa dele”, diz, esboçando um leve sorriso.
Hoje, já aposentado, aos 76 anos, Vitor dedica tempo integral aos seus inventos. E ele vai buscando inspiração na natureza privilegiada que o rodeia, na televisão, nas revistas e, principalmente, na sua fértil imaginação. Quer visitá-lo(a)? Ele terá prazer imenso em recebê-lo(a) em seu pequeno ateliê/oficina no bairro Vila Rica, em Delfim Moreira.
Contato: [35] 9 9861-5582
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ITAJUBÁ/BRASÓPOLIS
Marta: ativista, intensa, guerreira
Conheci Marta Betânia Viana Araújo em 1996, quando lançamos o livro Sapucaí, o caminho das águas. Neste ano, fizemos uma itinerância de lançamentos na região ─ dezoito ao todo ─ e ela generosamente patrocinou o lançamento da obra em Itajubá.
De lá para cá, uma amizade sólida. Não destas de convivência diária, mas que quando encontra é uma explosão de contentamento, de afinidade. Marta é gente do coração, gente que faz, que multiplica, que agrega, que semeia, que inspira…
Natural de Itajubá, viveu sua adolescência na casa do “tio padre” em Ouro Fino, onde apurou seu gosto pela leitura: “aos dez anos já lia os clássicos, não entendia, mas lia. Ah! Também estudei piano lá”.
De volta à Itajubá, casou-se com Nogueira, um cara de cabeça arejada que assim como ela amava as artes. A residência do casal era o reduto de artistas como o poeta Gildes Bezerra, o músico Dércio Marques, grupos de teatro, gente das artes, ecologistas, contestadores, sonhadores.
O casal teve seis filhos – conheço cinco deles, tal mãe, tais filhos ─ e quando a vida estava “arrumada” ─ a família é proprietária de um cartório ─, Nogueira se foi, mas ela continuou sua lida familiar e coletiva. Onde havia sinal de arte genuína, Marta estava lá apoiando, patrocinando, aplaudindo: grupos de teatro, grupos musicais, autores de livros, festivais de música – e está até hoje. Sua essência, sua generosidade, sua irreverência espalham, encantam.
E para aglutinar música de qualidade, gastronomia e prosa boa, criou o Pau-a-Pique, em Itajubá, que durou sete anos. Sua mais recente inventividade é o Sítio Dona Marta, antes um refúgio da família e de alguns amigos artistas, que aos poucos ela está transformando em restaurante/pousada ecológica. O espaço fica na estrada do Observatório de Brazópolis.
A primeira iniciativa foi a construção de biodigestores e a horta orgânica e na sequência, as biocontruções. É seu desejo construir sobre a base de pedra, onde antes era uma casa de pau a pique, o Centro Cultural João Luiz Gonçalves, homenagem ao artista plástico de Itajubá, falecido em 2015. “O João dizia: vou florir o sitio da Marta e presenteou-me com dezessete quadros de flores.”
Marta pela Marta (risos longos): “Gosto da vida. De trazer alegria e alimentar de alegria, de ajuntar gente pela arte, pela cultura e pela amizade. É isto!”
Gargalhadas… Brindamos à vida! Feliz 2017!
Sítio Dona Marta: sitiodonamarta.com.br
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CAREAÇU
O criatório artístico de Luciano
Ele planta árvores e cria pássaros e aves multicoloridos para habitá-las. São araras, flamingos, beija-flores, garças, tucanos, angolinhas. Tem até o galo da serra andino, que é considerado o pássaro mais bonito da terra. E mais recentemente chegaram as borboletas que passeiam entre os antigos moradores dando mais vida e cor à sua inventividade. Seu horizonte extrapola o espaço de seu pequeno ateliê instalado no fundo de sua casa em Careaçu, onde passa cerca de dez horas por dia, na sua lida artística, ouvindo noticiário de rádio, ouvindo música, com ênfase para as da Jovem Guarda, que cantarola, enquanto trabalha.
A vida do artesão Luciano Paulo Ferreira é assim: leve, alegre, com pitadas de espiritualidade. Estar com ele é a certeza de boas risadas, de aprendizado, de ter fé na vida. Motivos para pintar sua existência de negro bem que ele teve, mas optou pelo lado claro da vida.
Há 36 anos sofreu um acidente na empresa onde trabalhava em Campo Grande, MS, e perdeu uma perna. Nesta época, era noivo de sua conterrânea Iná Ferreira. Casaram assim que ele recuperou-se, e, enquanto Iná lecionava, ele cuidava dos filhos e da casa. Foi aí que teve um grande insight que mudou sua vida. Estava assistindo à novela Pantanal (TV Manchete, 1990) e se encantou com as árvores povoadas de garças que compunham o cenário. Começou assim: árvores com garças, depois foi achando sem graça e começou sua criação diversificada e colorida. São cerca de setenta espécies que habitam as árvores feitas de arame e durepox. Os pássaros são feitos de latas de alumínio descartáveis. Inicialmente, de litros de óleo, hoje de latas de tiner. Minuciosamente, ele vai desenhando as peças e recortando-as. Prefere trabalhar em lotes de cinco árvores e leva duas semanas para finalizá-las.
Nunca saiu de casa para comercializar seus produtos. Foi descoberto, e agora, as encomendas chegam de todos os lados. Tem fila de espera. Eu estou na fila há algum tempo.
Contato: [35] 9 88290238
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PARAISÓPOLIS
Dona Rosa Mineirices
Ela se transporta para a fazenda do pai, em um grotão da Mantiqueira no município de Gonçalves, e lá revive sua infância de fartura, pureza e movimento. Suas memórias culinárias remetem a comidas rústicas que ficaram para sempre em seu imaginário, como virado de banana, feijão com toucinho e broas de fubá.
Jovenzinha, já ia para a lida: torrar farinha na fecularia da família, uma novidade no lugar. Desse tempo, recorda com saudosismo dos mascates que por lá aportavam carregados de novidades do mundo urbano.
São fragmentos da história de vida de Ana Rosa Ferreira Ribeiro, a dona Rosa Mineirices, como ficou conhecida depois que lançou o livro com esse título, no qual mescla sua rica história de vida, causos e receitas.
Foi um presente da família quando completou oitenta anos, celebrados em janeiro de 2015.
Voltemos ao passado. Já casada e residindo em Paraisópolis, ela aprofundou seu saber culinário e passou a abastecer com gostosuras – doces de abóbora, de leite, de coco queimado, entre outros – o armazém do marido, “seu” Chico. Ah! O seu arroz-doce comercializado na rodoviária da cidade era dos deuses. Vinha gente de longe para saboreá-lo. E vem até hoje – agora à sua casa, sempre aberta para receber, acolher.
O tempo passou, “seu” Chico já se foi, e a matriarca da família continua sua lida, agora em casa. Quando a grande prole está para se reunir, ela começa o preparo dias antes. Faz questão de fazer o prato predileto de cada filho e também tem agradinhos para noras, genros e netos.
E assim dona Rosa vai transformando alimentos em delícias, adaptando umas receitas, criando outras e temperando a vida com sabores e aromas múltiplos.
Dona Rosa é uma das entrevistadas do livro Memórias Culinárias, de minha autoria e de Rogéria Aires
Matéria publicada na coluna Gente da Mantiqueira – Guia da Mantiqueira (www.guiadamantiqueira.com.br)
Para adquirir seu livro: facebook.com/donarosamineirices
BRASÓPOLIS
Dona Florita, entre flores e pavões
Dona Florita Silveira Vizotto, 80 anos de muita luta e sabedoria, vive dias calmos no Hotel Fazenda Santa Helena, em Brazópolis, entre flores e pavões. Ali ela construiu sua rica história de vida ao lado do marido e dos filhos – cinco ao todo – vivos, quatro. Uma lágrima brota ao lembrar-se do acidente doméstico que causou a morte de uma de suas filhas. Logo, ela se recompõe, pois não é do seu feitio chorar fácil. A vida a fez forte, destemida e empreendedora.
Aos dez anos já lavava roupa ‘para fora’ para ajudar a família – mãe, lavadeira e pai, negociante de gado. Aos dezoito anos, chegou ali trazida pelo marido Vitor, filho do proprietário daquelas terras. Ao casal coube a casinha do caseiro para começar a vida.
Sempre recebiam a visita especial de cinco irmãos que vinham de São Paulo ávidos para degustarem as comidinhas da roça. E o quinteto, que adorava tomar leite no curral, instigava senhor Vitor a servir petiscos e bebidas e cobrar pelo serviço. Vitor, resistente, argumentava: “Para amigos a gente não vende, a gente dá”.
Dona Florita ao ouvir a frase convite pela terceira vez, resolveu ela colocar em prática a sugestão do quinteto. A decisão foi acolhida alegremente pelos irmãos que foram à cidade comprar insumos para ela fazer os petiscos. Não cobraram pelos produtos e ainda pagaram agradecidos pelo serviço.
Este foi o pontapé inicial para a criação do Hotel Fazenda Santa Helena, um dos primeiros da região. Mas por que Santa Helena, visto que não é uma santa comum? “Foi uma homenagem do Vitor à sua irmã Helena, que tinha falecido recentemente”, conta, dona Florita.
Logo depois começaram a servir almoço – frango caipira, carne de porco e outras iguarias mineiras. Os hóspedes – a maioria paulistas e paulistanos – adoravam e continuam adorando.
Quando entrava um dinheirinho, faziam um puxadinho na casa e aos poucos foram construindo os chalés – um a cada dois anos – e também as benfeitorias. Hoje, o Santa Helena tem capacidade para hospedar cinquenta pessoas.
Há vinte e cinco anos, Vitor se foi e durante um ano, dona Florita ficou sozinha tocando o negócio que prosperava a cada dia. O filho Rogério, que morava em São José dos Campos, deixou o trabalho e foi se ajuntar à mãe para dar continuidade ao empreendimento familiar. “Tocamos tudo de meia”, conta, ela.
Durante a entrevista, seus olhos vagueiam pelo entorno da casa sede. Mira na piscina sem água – a fonte secou literalmente – e relata: “Olho tudo e não acredito que foi trabalho meu. Fui eu que coloquei tudo para frente para crescer. Agora chega, não quero mais nada, não. Ah! Pensando bem, quero sim, comprar mais uma casa na cidade, assim deixo uma para cada filho. Agradeço muito a todos que passaram por aqui e todos que estão comigo nesta empreitada. Hoje eu sinto não poder vistoriar os quartos dos chalés – gosto de tudo muito limpo e arrumado -, pois estou com dificuldade para caminhar. Gosto muito de ir rezar na capela de Santa Helena, que construí aqui, mas não estou podendo caminhar muito. Agradeço a Deus e à Nossa Senhora por tudo que me concedeu. Sou feliz. Muito feliz.”
Sobre o hotel: www.hfsantahelena.com.br
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LAMBARI
Ângela Rodrigues: “Respiro congada o ano inteiro.”
Ela nasceu aos sons da congada do avô, hoje denominada Estrela Cadente. E neste universo festivo e ritualístico, viveu sua meninice. Deste tempo, doces lembranças: “Gostava de ajudar meu avô a curtir o couro na cal e raspar com caco de vidro para fazer os instrumentos da congada: reco-reco, tamborim e surdo. O grupo era pequeno – uns quinze componentes – mas marcava presença nas festas”.
Ângela Rodrigues Castro, 59 anos, natural de Lambari, tem muita história para contar sobre esta tradição familiar. Mãe de cinco filhos, treze netos, ela relata que nunca arredou pé do congo e que a maioria dos membros de sua família enveredou por este caminho. Diz, com orgulho, que sua primogênita, Elaine Castro, além de ser mestre de terno de congo, é presidente da Afomac- Associação do Folclore e Manifestações Artísticas e Culturais de Lambari, que agrega oito congadas.
E continua a narrar a sua história. “Com a morte do meu avô, a congada foi passada para outro dirigente e anos depois, o tio Milton Sabino assumiu a congada e eu, sempre junto. Desta época, lembro de um episódio interessante: O Estrela Cadente foi batizado por um padre com direito a padrinho e madrinha. Foi um desejo de meu tio para fortalecer a fé do grupo. Acredito que seja o único terno de congo que foi batizado”.
Tamanho envolvimento com a congada, que o tio, quando adoeceu, passou-lhe a bandeira da Estrela Cadente, que sempre teve como santos protetores Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Em um contexto masculino com resistência até dos próprios congadeiros, ela foi inovando e hoje sua congada – com setenta e oito componentes – se destaca pela dança, pela música e pelo brilho das vestimentas tanto na Festa das Congadas de Lambari como também nos festejos da região. “Cuido de cada detalhe. Sou eu que confecciono as bandeiras, prego rendas nos uniformes, enfeito os chapéus”, relata.
No ritual da Festa das Congadas de Lambari, o seu grupo tem uma missão importante: é o guardião do Rei e da Rainha – os festeiros. Conta: “No cortejo inicial até a escadaria da matriz da cidade, o terno usa a tradicional capa azul com imagens dos santos protetores. Enquanto, os demais ternos da cidade referenciam o rei e a rainha, nosso grupo sai mansamente e retorna com um novo e impecável figurino para homenagear os novos festeiros. Em cortejo novamente, prosseguimos até o bairro Campinho – local da Festa- onde se dá a coroação dos novos festeiros”.
Esta mulher, de sorriso fácil, forte, empreendedora, elegante, respira congada o ano inteiro e para colocar seu terno na rua não mede esforços e nem escolhe funções: “Na congada sou multifuncional, sou mestre, presidente, bandeireira, tiro os cantos, bato surdo. É muita dedicação, adrenalina. Meu marido o Antônio, conhecido por Madô – está sempre comigo. E ele que abre o cortejo com sua dança, seu gingado. Se sou feliz? Sim, muito”.
Contato: [35] 9 9215-1889
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PIRANGUINHO
Irmã Sandra, do IESAI: “ Aqui é o lugar da vida!”
Irmã Sandra apresenta-me a muda de moringa, a planta milagrosa
Às margens da Rodovia 459, próximo a Piranguinho, lê-se a placa: IESAI. Sempre que passava por lá, a curiosidade crescia. O que seria? Recentemente, resolvi seguir a indicação.
Um quilômetro e pouco pela estradinha de terra lá está ele, o IESAI – Instituto de Educação para a Saúde Integral – em meio a um cenário colorido povoado de flores, árvores, borboletas e pássaros.
Quem me recepciona é Irmã Sandra Pinto de Souza, uma das três religiosas que dirigem o espaço. Elas pertencem à Congregação da Providência da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz, de Itajubá.
Irmã Sandra conta-me como nasceu a proposta: “A ideia foi da Irmã Maria do Carmo Costa, que, na época, era diretora da Escola de Enfermagem. Ela teve um câncer e a partir daí, começou a arquitetar um espaço onde as pessoas pudessem passar por terapias complementares aliadas aos tratamentos tradicionais e também para ser um espaço de estágios para os alunos de Enfermagem. E assim nasceu o Instituto. Isto foi em 1991 e, em 1994, começou a funcionar. Irmã Maria do Carmo faleceu há dez anos, mas seu projeto – de vanguarda para a época -, está vivo, em plena atividade”.
Ela convida-me para conhecer o Instituto. Começamos pela casa das terapias complementares como reike, radiestesia, massoterapia, entre outros. E também onde são realizadas as oficinas de fitoterapia, geoterapia, massoterapia, reflexologia.
Depois caminhamos até a horta orgânica. É lá que são extraídas as ervas medicinais para serem transformadas em remédios naturais, como pomadas e xaropes. Irmã Sandra fala de um detox curativo feito à base de ora-pro-nóbis, gengibre e moringa, a planta milagrosa. É o único lugar na região que possui mudas de moringa para venda.
Sentamo-nos em um banco no jardim. E ela vai narrando fragmentos de sua história: “ Assim como Irmã Maria do Carmo, eu também tive câncer. Quando descobri, estava em plena missão pelo Vale do Jequitinhonha trabalhando com migrantes. Queria fazer um tratamento com medicina natural aliado ao tratamento convencional e por isto pedi para vir para cá. Isto foi há três anos. E aqui estou, já estou curada, mas pretendo ficar por aqui em meio à natureza. Aqui é o lugar da vida! Estou muito feliz, porque é uma proposta em que os pobres podem ser inseridos.”
Além das terapias, o Instituto promove retiros holísticos, encontros e cursos.
Minha passagem por lá foi rápida, mas intensa. Compromissos me chamavam em outras paragens. Eu voltarei, agora para uma imersão holística.
Sobre o Instituto:Sítio São Francisco – Bairro Santa Bárbara – Piranguinho, MGContatos: 35 3622 – 0930 – 9 99 55 8233 (whatsApp)
CALDAS/POUSO ALEGRE
Dona Glória, parteira e quitandeira
Infância e trabalho andavam pareados para Maria da Glória Reis. Aos seis anos, já trabalhava em casa de família; aos doze, já pilotava fogão. Aos vinte e poucos, foi desbravar o mundo e se mudou para São Paulo, onde trabalhou, estudou e ganhou confiança em si. Desses tempos, ela se lembra de um fato muito marcante: “Na Guerra de 1945, acabou a farinha de trigo; derretíamos macarrão e misturávamos com fubá para fazer pão”.
Quando voltou para Santa Rita de Caldas, sua cidade natal, foi trabalhar no hospital, onde atuou por vários anos. Paralelamente, desempenhava várias funções, entre elas a de quitandeira, doceira e parteira.
Há mais de vinte anos, foi convidada por sua conterrânea Irmã Marlene Silva, na época coordenadora do Clube do Menor, em Pouso Alegre, para trabalhar na entidade. Ela foi, mas logo de início rejeitou o emprego na área de estatística: pediu para ir para a cozinha. E logo ganhou fama na cidade – ela e suas bolachinhas e biscoitinhos, que os meninos do Clube vendiam de porta em porta.
Nem mesmo após a aposentadoria Dona Glória se aquietou. Primeiro com a cesta embaixo do braço, depois com um carrinho, ia de porta em porta vender suas quitandas fresquinhas. Só parou há um ano, quando suas pernas não aguentaram mais.
Mas seus fazeres culinários continuam em casa, sua fábrica de delícias. E são tantas: quitandas, compotas, pratos salgados… E quando recebe um convite para fazer doces para uma festa de santo, ela aceita na hora.
“Cozinhar é arte, uma distração. Acho fácil transformar ingredientes em pratos saborosos. Mas se for para escolher, gosto mesmo é de fazer doces. Parar? Nem pensar! Enquanto a memória estiver funcionando, continuarei a cozinhar.”
Dona Glória, 82 anos, é uma das entrevistadas do livro Memórias Culinárias, de minha autoria e de Rogéria Aires.
Matéria publicada na coluna Gente da Mantiqueira – Guia da Mantiqueira (www.guiadamantiqueira.com.br)
VISCONDE DE MAUÁ
Seu José, em meio à natureza exuberante da Mantiqueira
Encontro seu José no território mineiro de Maringá, distrito pertencente à Bocaina de Minas. Do outro lado da ponte de madeira, encontra-se a Maringá fluminense, pertencente ao município de Itatiaia, no estado do Rio.
Estamos no complexo de Visconde de Mauá, formado pela Vila de Visconde de Mauá, no município de Resende, Rio de Janeiro, Maromba, em Itatiaia, e Maringá, com dupla naturalidade.
Estamos em uma área de proteção ambiental no alto da Mantiqueira na divisa com o Parque Nacional de Itatiaia. Um lugar exuberante com belas cachoeiras, rios e piscinas naturais de águas límpidas e cristalinas. Um deleite!
Voltemos ao nosso personagem. Quando olho com mais atenção para seu José, identifico-o com um morador nativo. Chapéu de palha, andar lento, feição serena, despreocupada. E naquele momento desperta-me o desejo de prosear com ele. Faço a abordagem despretensiosamente.
Ele sorri e me convida para sentar no banco da pracinha da Maringá mineira. E a conversa principia sem pauta, naturalmente. Olha para a mata densa e comenta: “Conheço mais de oitenta ervas medicinais nesta serra. Herdei isto dos meus antepassados. Fiz muito remédios, principalmente xarope para bronquite. Nunca cobrei nada. Teve um mês que fiz mais de trinta litros de xarope. Tinha uma entidade que trabalhava comigo. Hoje, não faço mais.”
A prosa continua. Pergunto-lhe sobre os bichos e pássaros que habitam aquelas terras. Ele envaidecido, comenta: “Os jacus vão comer todos os dias no quintal da minha casa. Tem micos, javalis, tucanos, sauás. Onça tem, mas na parte mais alta da serra”.
Este universo campestre é vivenciado pelo seu José desde 1956, quando aportou nestas paragens, ainda menino. Lá fincou raízes, casou, criou seus filhos trabalhando como pedreiro. Hoje, já aposentado, trabalha como jardineiro.
Ele relembra os tempos passados quando nas redondezas havia apenas um hotel e poucos empreendimentos turísticos. “Hoje, dá gosto de ver tanta evolução!”, enfatiza.
Um fato marcante em sua vida foi a enchente de 1966, originária possivelmente de uma tromba d´água nas encostas de Maromba. Conta, ele: “Foi horrível. Morreram dezenove pessoas de uma mesma família. Foram arrastadas pela correnteza com troncos de árvores e tudo. Conhecia a família. Lembrança triste”.
Mas a prosa logo retorna para assuntos agradáveis. Ele me convida para dar uma volta por Maringá, primeiro, a sua, a mineira, e depois, a outra, do outro lado da ponte. E lá vamos nós.
Ele é bem popular. Para a conversa, acena. Assim passamos uma tarde agradável.
Sobre Mauá
“Visconde de Mauá é a porta de entrada, com pousadas, restaurantes e serviços; Maringá, a mais agitada, reune estabelecimentos bacanas; e Maromba, fiel ao estilo riponga e mais próxima das principais cachoeiras. Interligadas por estradinhas de terra e cercadas por uma infinidade de trilhas, as caminhadas, as cavalgadas e os passeios de bicicleta são as melhores maneiras para explorar os recantos de cada uma”.
SERRA DA CANASTRA/SÃO ROQUE DE MINAS
João Belo, guardião da Canastra
“Com muito orgulho digo: sou canastreiro. Conheço estas terras desde menino, quando levava gado de um lado outro do meu tio que tinha fazenda nestas terras, isto é, antes de virar reserva. Gosto tanto daqui que quando não tem passeio agendado, venho passear com minha família. Meu olhar já está apurado: consigo enxergar os bichos de longe. Hoje observamos três veados, uma ema, uma tamanduá, um urubu rei e outros tantos passarinhos. Posso vir aqui várias vezes, mas nunca é a mesma coisa. Sempre há algo novo, uma flor, uma planta, um bicho…”
Depoimento feito durante minha visita à Serra da Canastra em fevereiro de 2020